ABA | Multiusos Bairro Alagoas
ABA
No bairro das Alagoas, entre prédios levantados a toda a pressa, onde tudo parece precário e acidental, esperava-se uma novidade clara, luminosa. Com o novo edifício multiusos (ABA), sede da associação do bairro, Belém Lima e Cláudia Almeida respondem a esta espera de um modo surpreendente: ABA é negro. Onde todas as cores se tornam pálidas, só o negro pode falar de cor. Dos obstáculos, os arquitectos tiraram forças para avançar. Com o mínimo, levantaram uma massa despida, uma figura depurada, expressiva. Belém Lima e Cláudia Almeida assumiram a causa do esquecido. Não esconderam os conflitos, as tensões. Do afastado como feio, libertaram poderosas qualidades. ABA acolhe o seu contrário, cura as feridas com o arpão que as infligiu, transforma o hostil na sua própria força.
ABA fala da vida numa linguagem sem palavras. Atreve-se a dizer o que não se pode dizer. Lembra que as coisas podem ser de outro modo. Foi concebido como um incentivo à integração, ao convívio entre as diferentes comunidades do bairro. Na expressão das diferenças, dissolve barreiras. Espaço cobiçado, necessário, ABA estimula a coesão social. Ponto de encontro, capta a imaginação da colectividade.
Alongado, não domesticado, ABA desdenha a harmonia forçada. É cortante, mas também flexível, subtil. É rasteiro e esguio como um réptil. É negro como o carvão, como os corvos, como a noite aquecida pelo fogo.
“Le printemps adorable a perdu son odeur!” (Baudelaire). Num mundo que perdeu o seu perfume e as cores empalideceram, o negro seduz como antítese de uma fachada enganosa, é apoteose negativa das cores (Adorno). ABA responde com dureza a uma situação social dura. O que tem de inumano está ao serviço do humano. Onde parece vencido, manifesta-se com toda a sua beleza.
Imaginamo-lo em plena actividade. Reina grande animação. Debate-se em grande algazarra, sem melindres nem cerimónias. Não há palavras sem gestos. Narra-se e aconselha-se com um sentido de humor vivaz, com a sabedoria tecida nos materiais da vida. Junto ao grande vidro, um homem perde-se em reflexões. Mergulha no fundo dos seus dias para voltar a viver alegrias passadas. As crianças, em alvoroço, saltam no chão vermelho e escondem-se debaixo das cadeiras do salão polivalente. Num movimento de ida e volta, correm para o pátio e reaparecem no bar. Pelo pátio, o céu verte-se no edifício (Borges). O pátio acolhe, une, abriga do sol e da chuva. Recebe uma brisa vagabunda. É memória do que não se conforma com a vida sedentária.
ABA sugere um corpo deitado, “Waiting (for meaning)” de Marlene Dumas. Um corpo em repouso no centro do movimento. Não se sabe se adormecido. Dotado de uma elasticidade inesperada, ganha, como os acrobatas, força para se erguer. E, quando se ergue, oferece ao bairro as energias acumuladas durante o sono. Sem abandonar o chão, separa-se do mundo, afasta-se da razão, da lógica do sentido comum. ABA não trata só de coisas terrestres, da pura utilidade, volta-se para o arranjo das estrelas.
Susana Ponces Camanho e Emídio Lima Agra