Edifício De Habitação Colectiva Aj99
Abstracto, furtivo e cívico - Texto escrito num golpe de memória sobre uma visita breve
A expansão urbana e a construção não planeadas afectam o território de uma forma amplamente negativa. A destruição em larga escala da leitura do território natural, que não chega a ser substituída por uma ordem construída reconhecível, não só desqualifica objectivamente o meio ambiente, como empobrece a possível relação entre o homem e o seu próprio habitat. Esta ausência de planeamento, a par com a imposição de planeamentos medíocres, ou vazios de ideias, constroem infelizmente a maioria dos nossos novos territórios urbanizados.
Nesses contextos, uma arquitectura de qualidade deve ajudar, embora operando numa escala distinta, a solucionar, ou pelo menos a minorar, o impacto negativo inerente a essa génese inquinada. O interesse destas experiências é que transportam para a arquitectura um sentido de serviço, de grande exigência e total comprometimento com a realidade. A arquitectura é, desta forma, compelida a actuar não no contexto ideal, nem com o programa ideal, mas sim inserida nessa continuidade concreta, onde pode, e deve, fazer a diferença.
O edifício AJ.99, de Paulo David, é um exemplo rigoroso de inserção; não porque se relacione com o contexto ou lhe dê continuidade, mas porque perante ele assume uma posição critica. Essa posição não se reflecte propriamente na estrutura espacial, que corresponde a um banal programa de apartamentos esquerdos e direitos sobrepostos em pisos sucessivos, embora estes sejam obviamente resolvidos de forma exímia, com um desenho coerente e exemplar. Essa crítica é fundamentalmente veiculada pelo papel urbano do edifício, através de uma imagem abstracta e de uma presença furtiva.
A imagem do edifício assume-se como uma critica à escala atingida pelo somatório dos diferentes caprichos que grassam na sua envolvente e, em simultâneo, propõe um buraco negro, cuja temperatura nos transporta para um imaginário mais próximo da natureza anterior do sítio.
Rigoroso, elaborado com elementos reconhecíveis na arquitectura contemporânea, sem excessos formais ou construtivos, o projecto resolve o problema como um todo, numa verdadeira lição cívica e profissional.
Manuel Aires Mateus